HipHop is Dead
Em 2006, Nas quase que criou um slogan com o título do seu álbum "HipHop is Dead", que colou na boca de muita gente e que retratava uma situação de perca de chama e brilho do rap americano. Nas justificava essa morte do HipHop, com o total desvirtuamento da cultura por parte da indústria musical até com a contribuição de muitos "hiphoppers", com a dramática queda de criatividade e qualidade lírica dos mc's americanos, que estavam mais preocupados em fazer valer a filosofia "hustler" de fazer dinheiro rápido e de qualquer forma, e com a formatação total dos álbuns e dos mc's que pareciam todos iguais e todos plásticos.
Reflecti sobre este assunto, e obviamente concordando com Nas em relação ao total empobrecimento e formatação do rap americano, eu acho que a principal razão é outra. O rap americano sempre foi muito pródigo em produzir personagens muito carismáticas para além de grandes rappers. O rap americano produzia grandes figuras.
Personagens extraordinárias que valiam muito mais pelo que representavam do que pelo que rimavam. "Carachters" diferentes das pessoas comuns, pela seu exotismo, pela sua força, e pelo seu misticismo.
Alguns exemplos:
2pac – o super thug revolucionário.
Eminem- o miúdo branco perturbado, produto dum lar disfuncional.
Onyx- Os psico-killers
Ol Dirty Bastard- o Alcoólatra
Prodigy. O street nigga
NWA- os Gang members
Public Enemy- Os Black Phanters
Redman- o Punk-thug
Ice T- O Don, O Pimp
Common- O humanista, o espiritualista
Fat Joe- O gambino latino.
Busta Rhymes- O excêntrico
DMX-O marginal religioso.
Dead Prez- Os activistas
Era isto que apaixonava as pessoas, imaginar a vida destes ídolos, acreditar piamente que eles eram o que rimavam. Estas personagens tinham tanta força e credibilidade que tudo combinava. A sonoridade, o flow, a atitude, a indumentária, o discurso tudo isso combinava Ninguém disse que era impensável quando saiu a notícia que 2Pac tinha disparado contra um polícia, ninguém se escandalizou quando Ol Dirty foi apanhado bêbado e drogado a roubar ténis numa loja, ninguém acharia impossível se saísse uma notícia a dizer que Sticky Fingaz tinha morto alguém, todos achavam normal quando viam Redman altamente pedrado em concertos, entrevistas ou mesmo no estúdio, ninguém se escandalizaria se os Dead Prez fossem presos por fazer parte dum grupo clandestino que estaria a conspirar contra o governo. Estas personagens eram altamente credíveis, provavelmente também porque em muitos casos eram realmente genuínas, e era muito por causa disso que tinham milhões de seguidores. Gente apaixonada pela mística que imanavam, pelo estilo de vida, pela atitude, pelo carisma.
"HipHop Is dead" porque os Estados Unidos, cada vez menos consegue criar esse tipo de personagens criativas e fascinantes, esse tipo de rappers que apaixonam. Hoje tudo é muito pouco credível, porque os rappers têm muito menos carisma, e porque entre a música, a pessoa que são e a atitude que mostram há muito pouca coerência. Por exemplo seria impensável os Onyx encherem um álbum com sons de amor e sons para o club. Exactamente porque não combinava com o "carachter" deles. Os álbuns que faziam serviam essencialmente para sidementar a personagem deles. Reproduziam toda a atmosfera e o estilo de vida que proclamavam, desde as músicas aos interlúdios. E hoje quando ouvimos os álbuns mainstream desses novos "street hustlers" vemos sempre os álbuns cheios com supostos "hit singles" que nada combinam com a personagem que eles querem "vender". Daqui também podemos depreender que o próprio trabalho dos A&R's e dos produtores executivos está a ser muito mal feito. Pela gula de querer vender rápido com sons fácies e formatados não conseguem ajudar a criar mc's com carisma e credibilidade, também por isso é que as carreiras dos rappers americanos são cada vez mais curtas. São artistas sem solidez, não encantam.
Toda esta reflexão que fiz é essencialmente uma tentativa de fazer uma análise sociológica sobre o afrouxamento do rap americano. Nem sequer quis vincar a minha posição pessoal sobre estes dados. A Indústria musical norte americana, com o know how e poder económico que tem pode facilmente forçar a criação desse tipo de personagens carismáticas e apresentá-las ao público com o máximo de credibilidade. Com bons castings, bons A&R's, managers e produtores executivos isso facilmente se consegue. Se não o estão a fazer é porque provavelmente ainda não diagnosticaram isto que explanei neste texto ou então porque simplesmente acham que não é rentável $ o suficiente. Ou então ainda porque pode ser realmente difícil criar algo novo. Disse isto porque não acho que a existência desses "carachters" seja necessariamente algo de positivo para o HipHOp. Creio ser indesmentível que a ausência deles fez com que rap esteje hoje a perder a chama nos estados Unidos, mas pode-se dizer que muito provavelmente algumas dessas personagens que para nós eram tão credíveis e genuínas podem também ter sido "fabricadas" pela indústria musical.
retirado do space